segunda-feira, 21 de abril de 2008

Changement


Há certa beleza
em tanto silêncio,
em tanta inocência,
tamanha decência,
do acaso de poucos,
do interesse de muitos,
da censura dos loucos,
da riqueza dos eleitos
e pobreza dos súditos;

É de pouca fineza
entreter-se ao ver
tanta gente sem culpa,
aos poucos, perder
o senso de luta,
a certeza da justiça,
o idealismo, as frases prontas,
fugirem à mente,
serem dominados pela preguiça;

Há um conformismo, sim,
que consome as entranhas,
e as trivialidades cotidianas
tornam-se sustos,
e as paisagens urbanas,
com suas cores e formas desumanas,
tornam-se robustos ideais de civilização;

Quando não há mais força,
tampouco desejos,
E, mesmo assim, todos correm,
é sinal de que, de livres,
só estão os poucos que morrem,
e os loucos que colhem as sementes do auto-desprezo.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

About a girl

Foi embora assim, frágil, sem proteção,
levou nas mãos o abrigo; nas costas, um sonho contido,
e, os punhos cerrados, atravessou pequenos trilhos,
e, assim, deu um rumo aos seus sentidos,
para seu ir e vir aos mesmos caminhos -
ou os mesmos destinos?, talvez ainda não;

Cruzou ruas sem sinais, sinais sem esquinas,
o sol, lá em cima fervia, as solas dos pés, sofridas;
dor nas costas e os graus subindo, contáveis noites maldormidas,
Catou, no chão, folhas encardidas, fez delas sua casa,
para que seu ir e vir tivesse, ao menos, uma pausa
mas, cansar e fingir, talvez ainda não;

Mas, toda aquela loucura que via em fotos,
aqueles sonhos, aquelas luzes, aquela correria
não lhe conferiam a beleza que irradia nas imagens, estáticas (frias)
caminhou, caminhou, caminhou, nada encontrou
e, pela primeira vez, deixou-se dormir no chão.

Depois de pedir e, falsa, sorrir, veio a ajuda -
a chuva vinha e, à noite, lhe maltratava o pulmão,
aqueles corpos difusos, pílulas e becos intrusos,
lhe deram novo gás e, mesmo feridos,
os poros de seu corpo retraído,
absorveram as dores da mente e do coração;

Mas, de tanto ir e vir, voltou a se sentir pequena,
não via beleza no heroísmo que impera, no asfalto que fervilha,
nos sinais comedidos, nas curvas, carros e vivências amenas,
de tanto os passos medir, e, neles, confiar e ir
feriu os jovens sentidos e entregou-se:

Quem, outrora, pulso forte, atravessou o sertão,
largou as sacolas para o alto ao meio-dia,
e, novamente frágil, infantil, fria,
atravessou o linhão.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

(Re)ciclo

Há quem diga que, pequenos, já o somos demais
E simples, retilíneos, que o sejamos nas entrelinhas,
mesmo que complexos nas mais velhas ladainhas
de contar nos dedos pequenos feitos e grandes projeções
(como se fossem - quem nos dera! - críticas, objeções);

Mediocridade, todos os sentem, mesmo que em acessos pífios
cerrados em punhos cansados, machucados de tanta insistência,
mesmo que estejam acostumados à mediocridade e à indecência
de assobiar grandes desejos que não tomam parte em outras vidas
(como se fossem - imagine - novas chances de entoar iguais canções);

Há quem insista em fugir do lugar-comum
e encontrar outros termos sóbrios para os mesmos fins
mesmo que nada consiga transferir-lhes o sentido,
e seja melhor contar segredos fingidos, inexistentes, pobres, enfim:

Sinceridade, todos a temem, mesmo que sob lençóis translúcidos,
cansados em punhos cerrados, feridos pela incoerência
de, mesmo que capazes de abrir os olhos e expor-nos ao amor e à condescendência
de atos fugidios, jamais farão, sequer, existências,
do que um dia não passou de hipótese vaga,
quase-formas opacas de pouca tez e consistência.

Tanta gente passa por aqui - às vezes anda, corre, se arrasta -,
mas nem por isso, de ver, crer e admirar por nós tornou-se digna;
É a mesma coisa, ser tão normal afronta e dói:
quem espera loucos e desvairados acotovelando-se nas esquinas
que o aguarde de olhos bem fechados e punhais nas mãos feridas:

Há quem diga que gente normal, boa sensível, já há demais,
e que não deixá-las em paz é mais é mais que uma velha sina:
É preciso ser oco, podre por dentro e, por fora, outro,
assim, há de ser pouco, muito pouco, e a elas, ser muito.

Tudo para que haja preconceitos, comparações e surdez,
tudo para que não haja mais vez de recriar e entoar os velhos motes em novos versos e rimas.