domingo, 31 de dezembro de 2006

Em Clima de Ano Novo


Hoje, diz-se, as coisas mudam:
a cidade toma nova face,
as pessoas melhoram,
o espírito se infla
nas promessas que se renovam:

E quer saber? É tudo disfarce.

Vão todos ser a mesma merda
e cometer os mesmos erros,
e sofrer os mesmos infortúnios,
e lamentar-se nos mesmos enterros

E, quer saber? Ninguém liga!

e, assim, a cidade de novo incha
nos amores que se sobrepõem
como um vírus que se alastra nas cantigas,
e os homens se amam, se unem
se contrapõem:

Unam-se, povos do lindo país!
os favelados comemoram, sim,
bebendo em bares até o sol surgir
tacando garrafas nos Audis
até a cicatriz no asfalto abrir.

Os bêbados ainda, teimarão em sorrir
para o festejo dos homens inconsequentes
e as horas restantes são as últimas dos doentes;
e a noite promete!
(nos dar apenas mais um dia para dormir)

E amanhã acordaremos ao meio-dia
tomando café ao som das mesmas cantigas
sob o mormaço indistinto do ano que há de vir!

Urbanamazônia


No meio do verde metálico, corre um ser
Sinto um perfume não meu, pesado e ardente
homens amazônidas, vãos e inconsequentes
dominados pelo aço; e a floresta a adormecer
ao mundo moderno estende os braços

Vendo este ser de olhar letárgico
descansar sob céus de límpido asfalto
beber desta água repleta de ácidos
sonhos modernos de um homem nostálgico
que, nas avenidas, ressoam opacos

E silenciosos na cela da vida
nunca o deixarão de ser.

No meio das aldeias de aço, vão nascer
Dessas mãos sujas, negras,
Poemas virtuais, de fibra ótica: E colapsos
de um coração de alumínio os farão florescer

E amanhecer, em pedaços
desmatando a tua alma e meu sentir
Em uma alma robótica que insiste em existir!

No meio dos mares de gente, corre um ser
Que pulsa ódio em um peito, vil e ardente
O anoitecer cinzento e o luar decadente
Banham as tribos que, em pedaços,
Mendigam piedade nas ruas caóticas

Das metrópoles de andróides dementes

Que, silenciosos, na cela da vida,
verão seu mundo perecer.

Ricardo Evandro / Guto Lobato 29/12/06

* Idéia antiga de dois nerds finalmente ganha forma. ;)
Por sinal, o figura aí tá de blog, e as idéias dele certamente dariam um bom livro de neo-filosofia. Acessem:
>> http://urbanamazonida.blogspot.com <<

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

S.D.H.


Todas as dores deste mundo são minhas.
E ah, se não fossem! De tantos amores
deitaria nu em pêlo,
Entregue às sortes da vida.

Toda a infelicidade, deprimência e as feridas
Pertencem ao mesmo homem,
Que, em mim, sem mim habita

E se pudesse ter comigo mesmo, apenas uma noite
Livre de um corpo que me renega, dia a dia,

Plantaria flores mortas sobre o asfalto
Descansaria de olhos fechados à sombra da vida.

Toda a fumaça, o caos urbano e a gritaria:
Não há quem por elas morra de amores!
Preencho o peito com o vácuo:
Impuro asco à nostalgia.

Toda essa cidade e essa gente infeliz e sábia,
Bebe do mesmo esgoto e caga nas mesmas calças,
Escorre em valas nas avenidas,
Se suicida aos montes,
como se faltasse algo em suas vidas!

Ah, Deus, mas assim como eu,
Por elas, nunca morra de amores!
Livres estão eles, nas ruas da corte
Travestindo-se homens de bem pelas esquinas

E nós nos lamentando no asfalto
Pedindo esmolas e gritando alto
À platéia louca e ensandecida

Que pisa nas flores e atravessa o palco
Cospem em nossa cara, em nossa casa,
É um teatro
No qual renegam suas próprias vidas.

E é como eu sempre digo, meus amigos,
A vida é um tanto injusta com os vivos:
Todas as dores deste mundo são minhas.

* Clima natalino...?

sábado, 23 de dezembro de 2006

Passaredo


Não gosto de surpresas.
Se as reserva para mim, que sejam fontes de sofrimento,
E, para ti, não passem de novas (in)certezas
De que, pr´este mundo, não mais me reinvento.

É tão ridículo!
Foram anos assim, construindo um homem feito
E, para ti, que fugisse ao máximo do imperfeito
E que ele nunca me fosse um ideal de beleza.

Foram tantos sentidos às mesmas normas
Tantos ruídos nas mesmas trovas
Tantas mãos batendo à mesma porta
Foram tão vendidas as surpresas,
Tão tediosas as incertezas novas!

E esses cortes que me ensanguentam as vestes
São, agora, infelizes provas
De que não gosto de incertezas:

Não gosto de surpresas, ora!
Se a vida as reserva para mim, que sejam meu único alimento
Os sonhos, o ópio e os instintos mais rasteiros:
Neste mundo, tudo o que nasce já é decadente,
E, é claro, o mais puro ideal de beleza!

É tão ridículo!
Eu prometi a mim, que, quando fosse embora, dar-te-ia razões.
Estivesses feliz ou não, com as tuas antigas paixões
Fugazes, efêmeras, incompletas.

Vou, agora, na (in)certeza de que me espera o caminho mais bonito;
Mas, para ti, meu bem, ainda não: resta-te o infinito!
Vou só, por que não vivo feliz aqui,
Perdido em meio a tantas convenções,
Esperando novas versões dos mesmos sonhos encardidos.

* Foto retirada da exposição "Por Enquanto", em cartaz no IAP (Instituto de Artes do Pará) no segundo semestre de 2006.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Duas Margens


- Diga-se de passagem: não és tu uma menina?
- Sou a vergonha de uma noite de amor vadia,
o vivo espelho do que não deveria existir.
- És o mesmo rio sem margem, que atravesso a sós
- Sou, calada assim, mais um fio entre tantas sedas
a rede que entrelaça teu corpo em singelos nós.

- E desta febre já sou curado: se achas que assim, excuso,
há algo aqui a ser reinventado,
desista! Pois o amor que em mim habita é recluso
Difuso, sem um foco e lentamente destroçado:
alheio à vida.

- Diga a verdade: por trás das mais nobres cortinas
Há um quê de sofrimento, uma sombra sem cor decerto
Sofrendo assim, manténs as rimas, mas diz p´ra mim:
Do que te escondes, senão da vida e de um jovem fim
cheio de incerteza, amor e retrocesso?

- O que já foi verdade agora é sina!
- Sou a enfadonha surpresa dos notívagos,
o par de pernas que se abre às esquinas.
- Sou o mesmo rio sem margem, o qual tornaste leito
- Silêncio! Em mim, vais encontrar, talvez um dia,
a doce menina que te carregou no peito.
- E que ela seja pedaço de mim, de meus amores,
de minhas dores e mais doces rimas.
- Que eu seja tua, enfim.

A quem anda tendo a paciência de ler esse blog pelos mais de doze
meses de atividade dele, muito obrigado.
É... sem dúvidas, escrever tornou-se, para mim, uma terapia. ;)

sábado, 9 de dezembro de 2006

Cidade dos Sonhos

Essa cidade tem um tom, um som, que pertence a ela e a ninguém mais,
uma profusão de cor e decadência, enclausurada no asfalto.
Há uma dor que cresce e vende-se pelos becos e pelas esquinas:
essa cidade entende-se abismo de novos tons e velhas rimas.

O calor não arde, o suor não escorre;
Os gritos não saem, o vento percorre
seus traços vãos, pelas vãs escadarias,
arranha-céus e cortiços que sobrepõem-se nas avenidas.

O temor que cala e toda essa tensão contida,
estão dançando de mãos dadas, ao som da mesma batida.
São tantos ritmos vencidos pelos carnavais e pelas buzinas
Que desses homens tão metálicos, só saem notas repetidas

Essa gente inerte e sem vontade vive à espera de quais dias
Senão as mesmas noites monótonas, tão lisérgicas e premeditas?
Há uma frustração latente que vence as frustradas tentativas
De tantos homens infelizes que buscam retornar à vida.

E a todos os leitos de morte, as sirenes e a histeria:
Aos homens de bem, a mais sincera indiferença,
São pedaços reunidos de uma história encardida:
Essa cidade é o limbo de toda alma em decadência
E o vivo espelho da demência de uma geração vendida.

Essa cidade tem um tom, um som, que pertence a ela e a ninguém mais.
Uma profusão de bolor, artificialidade e ódio em suas entranhas.
Há uma tristeza que resiste ao café e à aspirina
Essa cidade é abismo de homens bons
imersos em suas sinas e artimanhas.

O peito não arde, a ferrugem corrói;
O sangue coagula, a mente não destrói.
São poucos os sãos a se jogar pelas escadarias
que separam homens de bem,
de suas impuras mortes vivas.

O amor que parte e arrepia a espinha,
é o furor e o alarde das mais sós noites frias.

E sob essas noites tão cálidas e as manhãs tão escurecidas dormi em teu ombro, meu amor, nessa cidade de pobres rimas.

08/12 - Inspiração tirada do filme homônimo de David Lynch, e de umas certas luzes natalinas brilhando no horizonte da cidade. Prometo que essa vai ser a minha última incursão no tema eu-odeio-cidades ;)

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Ode à Metrópole II


Descobri que tudo desconheço
E que nada de novo descubro
E que, se sou jovem, amanhã envelheço
E me torno mais um homem feito, sem escrúpulos

Vendido ao mundo sem preço
Sem desejos ou sonhos esdrúxulos
Esse é o seu futuro também, então vem comigo
E me ensina a, sem causar alarde, cortar os pulsos

Cortar fora os lábios de um homem omisso!

Descobri que a este mundo pertenço
E que, nele, de nada valho
E, se um dia senti no peito o vazio imenso
Hoje já não me lembro,
esqueço o peso de um amor otário!

Nas ruas secas, ecoa a sonata dos destruídos
E nas esquinas, reside a fugaz dor da mágoa
Dentro dos carros, acendem a chama do desperdício
Em um cigarro, em um copo de água

Dói saber que são ossos do ofício
É a decadência de um mundo mascarado
Quero, antes de cair em irrecuperável estado

Gritar bem alto para que a cidade, um dia, meus ecos ouça;
Cortar fora os pulsos dos edifícios!

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

Desisto.

Quanto mais busco provar para mim
Que as coisas são "casuais"
Mais descubro o quão só sou, enfim,
Nos meus delírios tão normais.

É sempre assim: eu e meus planos
Ditos insanos e inconsequentes
Cedendo a um silêncio de desencanto
E a um discreto ranger de dentes

Outrora doía, rasgava-me o peito
Hoje decido não mais sofrer
Se há algo em que falho, e não me dizem
Que erro hei eu de desfazer?

Desisto, insisto: não vou dizer
Que a carne fria já me apagou
Mas hei de convir, que, enfim,
Esse homem aqui desiste e abdica de toda a dor:
Esse homem aqui por de mais já se humilhou.