terça-feira, 14 de dezembro de 2010

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Desce o primeiro copo,
o primeiro cigarro,
a primeira ponta de cansaço
a preguiça, o marasmo
de pensar, retrucar, agir

O sono pesa, e o corpo
cada vez mais frágil,
cercado de gente(s),
sorrindo, cerrando os dentes,
desliza no assento, abre os braços
pede um abraço e se deixa levar;

Deixa estar:
o segundo é mais fácil
Vai ver, assim, seria sociável
Desce as entradas, os pratos,
a sobremesa, a porcaria do extrato,
a conta,
paga e vai embora

A porta de casa abre,
mas que diabo!, está tudo revirado,
essa bagunça sempre lhe dói na alma,
mas calma, calma, calma,
amanhã há de tudo amanhecer assim,
no seu lugar

Melhor rever o dia de olhos bem abertos, deitado:
quem sabe a dor, o vazio e o torpor, passados,
revelem a graça de estar tão só, tão fraco,
e a preguiça, o asco
de si mesmo se encarregam de fazer dormir

Depois, pega a condução atrasado,
tudo de cabeça para baixo, tudo engano,
tudo errado,
e, mesmo assim, indo, sem um ranger de dentes,
sem tempo para (re)pensar, (re)trucar, (re)agir

A vida despreza, e a alma,
cada vez mais volúvel,
cercada de gente(s)
fingindo, inconsequente(s),
acomoda-se na cadeira, larga a bolsa, os documentos,
mergulha nos tais sofrimentos
do expediente por acabar;

Deixa estar:
amanhã, nunca se sabe,
vai ver que, um dia, a agonia acaba,
Desce as escadas, acende o cigarro,
perde a direção com o carro,
ouve música bem alto,
para não se escutar

O mundo inteiro sabe,
só ele é que ainda se cansa,
consome a própria paciência:

Quanta pequenez,
quanta ignorância,
santa inocência!
Essa de querer dar de ombros
engolir tudo em seco
e, sem sobressaltos,
distribuir afagos,
sem pressa, sem atrasos,
a perfeição em puro estado,
vê-se semideus no espelho;

Mas, quando lhe deixam sentar a sós na mesa,
entregar-se a ela, à sua tristeza,
aí, sim, vê sentido na vida:

Pois vida é, sim, preguiça, é marasmo,
é cansaço, solidão, mormaço,
desvirtude e descompasso,
é a vida que pediu a Deus,
é a vida que ninguém aguenta,
mas que espera, talvez um dia,
conseguir para si.

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