Cálice otário, pinga essa seiva:
essa rima sem gosto,
essa pinga sem efeito;
Pinga sobre teus fiéis o sangue imundo e espesso
que flui no chão banhado a ouro
de templos rebocados em fé e gesso;
Beija as mãos calejadas de um demônio,
como beija os lábios do anjo caído que encarnas:
reverte essa tua renda suja e sacra
a surtos selvagens e orgias comungadas:
À santidade de tantas putas inocentes!
Cálice otário, pinga essa seiva:
essa rima sem gosto,
essa pinga sem efeito;
Que queimem na fogueira esses teus livros
com mentiras sedutoras de um paraíso desconstruído
chega de promessas infundadas,
almas atordoadas, obras inacabadas e santos pervetidos;
Onde tua hóstia sagrada promete e não cumpre,
e atola o mundo de loucos enrustidos,
tuas bordas cospem lágrimas, cálice:
Que se encham tuas ancas das moedas crentes dos que te seguem,
de mãos juntas, entoando ladainhas que teatralizam a farsa
nessa via crucis diária, na autoflagelação que o torpor salva:
O sangue é um troféu vívido
que a mostra tua humanidade enquanto fase larvária!
É, é mesmo um longo caminho, cálice
e, enquanto joelhos dilacerados se protegem mais tarde no vinho que guardas,
embebido na tua baba
e bebido por teu Deus,
estaremos nós, homens comuns, aqui, servindo a ti e por ti sofrendo,
por algo que, no fundo, nos convence,
mas que não existe, não subsiste e que jamais nos pertenceu:
Cálice otário, pinga essa lástima:
essa lágrima amarga,
essa angústia eternamente incrustada em nosso peito.
* Por Camila Barbalho e Guto Lobato - meados de outubro de 2005
(Meu Deus... uma raridade achada aqui, nos arquivos do computador. Escrita de brincadeira - é bom ressaltar -, numa madrugada passada a esmo em alguma janela de bate-papo do MSN Messenger. Quando éramos jovens, e a poética nem sempre caminhava junto a nossas crenças. Quando era mais fácil ter um eu-lírico dúbio, polêmico e algo "maldito")
Um comentário:
Cara, que loucura isso... Sempre achei que meu eu-lírico era muito mais divertido que eu (se minha mãe vir isso, não vai querer enxergar a diferença entre mim e meu eu-lírico), e esse texto atesta (?) minha teoria. O mais louco de tudo é que esse ataque de satanismo poético que nós tínhamos lá pelo 2º ano não me envergonha, mas sim me dá uma puta nostalgia - pela época alucinada que vai nos fazer lembrar pra sempre que quando tudo está uma grande cagada é muito mais seguro não ter nada pra acreditar (enfrentar as dores do mundo com sua própria cruz, não é mesmo?), mesmo acreditando fora das folhas pautadas dos nossos cadernos, milhões de vezes arrancadas para conversas sobre "blue notes", poemas de adoração ao tinhoso (??) e colas na prova de história. Tu és o retrato da minha adolescência, Guto Lobato (antes tu do que outros...).
Te amo, cacete!
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