segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

12.3

É um arroubo de poucas palavras,
de uma expressão pulsante e lúdica,
dizer, assim, sem quaisquer medos,
sem eufemismos ou menções pudicas,

É algo que resume tanto silêncio
e exprime tão pouca angústia
pois, natural e vívido ao sair da garganta,
arranca do peito as contradições mais puras,

os paradoxos mais loucos,
as noites menos memoráveis,
a falta do que fazer, a correria
os fatos, inexoráveis

as imbecilidades cotidianas,
as trivialidades, medidas aos sorrisos e beijos
a certeza da decadência, a incubência
As falsas verdades e os inversos desejos

É um arroubo de três palavras,
que, assim, transformam dores minguantes
em uma pequena e única cusparada
Jovem, ardente, pulsante:

Vão à merda!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

12.2

- Dedução à parte, sempre imaginei que ias perdê-la em alguma esquina.

- Esvaiu-se da forma que veio, não pude ao menos despedir-me, tocá-la...

- E nunca a tocastes, na verdade!

- Sim, mas pensa bem, é mentira dizer que apenas passou,
ela como que me abandona, aos poucos me tira a liberdade
me arranca os instintos, torna-me um poço de sobriedade
e transforma-nos nesta sina, nesse tal de ciclo que jamais finda
mas, ao mesmo tempo, nos aumenta a idade...
Só sei que, de agora em diante, nada quero,
pois tudo pelo que lutei tornou-se defasado, fútil ou simplesmente errado,
só espero que, agora, ao menos, o tédio transforme-se em paz e tranquilidade!

- É como eu sempre te dizia, amigo,
sempre há a perda de alguns hormônios, pêlos da face, força, energia
mas o que faz do rodamoinho uma vida é essa perda de mocidade.

12.1

Me dizem que há algo de muito honroso
em fazer parte de uma tal minoria consciente:

Não, não serei parte dessa história
e não serei orgulho de mais ninguém
senão deixarei de ver ouro onde há cinza reluzente;

Não deixarei que prepotência finja-se de intelectualidade sóbria
e recomendo que ninguém mais o faça
caso tema o ódio e a inveja conseqüente

E não deixei que toda essa falsidade, essa memória
fizesse sentido a mim, vivo ou em pedaços

Eu não deixarei que vocês desfaçam o estrago
que a (quase?) vida fez em mim.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Captions from Belém:

Na rua, passos apertados, cachaça, berros e buzinas
cavalos no trânsito, technobrega ecoando ao fundo
na pista, um homem linchado, ônibus cortando o sinal fechado
Travecos e putas acotovelando-se nas esquinas;

Na praça, maconheiros, traficantes, flanelinhas e camelôs
um posto fechado da polícia, toalhas na grama, "piqueniques"
Coretos mijados e grupos de teatro ensaiando calados
entre pilastras art-nouveau, bares sujos e velhos hippies;

No porto, canoas velhas e velhos barcos,
azedume de peixes, rabada aguada, farinha e pinga
Estivadores, mendigos, aromas e cheiros regionais
Na mansão ao lado, violão e voz, pratos finos e burguesia;

Trinta graus a vinte e cinco, chuva rápida e calor constante
Cinemas fechados, teatros falidos, galpões de pagode e, não obstante,
sãos e loucos dividindo mulheres, homens e mesas de bilhar,
intelectuais e novos-ricos lendo os mesmos manuais amassados
De vivência, educação, cidadania, civilidade - ou não -.
que, acreditem, não deixam de ser ensinados,
e de por ninguém se deixarem ensinar.