quarta-feira, 2 de março de 2016

Bárbara


Umas três da manhã
Desceu, de escada e de pijama,
Acendeu um cigarro, descalça passou a portaria
Desceu a ladeira
Bem mais devagar do que de costume
Bem mais feliz do que gostaria

Arrastou a pele contra a garoa fina
Era verão, mas pouco importava:
Não tinha proteção, nem energia,
Chegou ao canal, sentou-se à beira
Viu seu olho vazio espelhado naquela nojeira
Por algum motivo, permanecia inteira
E ali ficou, punindo-se com o fedor
e o frio.

Ninguém entendia,
Parecia louca,
Mas às vezes cansava da segurança;
Às vezes só queria se expor como todo mundo
Há quantas noites ia sentar por ali
Procurando um problema para a sua vida
Sentia um vazio enorme, e tão pesado
- E tão profundo! –,
No entanto, nunca encontrava nada
Para onde olhava, só se via.

No fundo, era isso que a fascinava:
A sensação de que ia, voltava,
Pegava o roteiro de sua vida e amassava
Jogava-se no lixo
Mas tudo permanecia no mesmo estado:
Toda tentativa de dar a volta
dava num caminho ermo e equivocado.

Um dia, então, deu-se conta
Precisava atravessar a ponte, ir até a ponta,
Dividir o chão com aquela gente semimorta
Era hora de ser outra;
Estava pronta.

Largou no chão suas roupas
A bolsa, largou na esquina,
E assim, entregue, absorta,
Entregou-se a si mesma
Naquela noite fria, sentiu-se nua e forte

A manhã nasceu com cheiro de morte
Pra moça de alma rouca
Via-se numa estrada infinita, vazia,
Agora não mais falava;
Só ouvia.

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