Todo dia acordava, a mesma menina,
enrolada em papel, na marquise de algum lugar,
vestia a mesma roupa, lavava o rosto, e andava, andava
no viaduto chegava e sentava sem falar;
Passava o dia calada, às vezes nem queria,
rastejava, ia e vinha, escutava - ouvia, até, sem reclamar;
dez picos depois, acabava a rotina,
deitava no chão e sentia, tranquila, que o dia já ia terminar;
Sozinha, rezava em voz baixa qualquer coisa,
mais por hábito (inércia?) que por acreditar;
de manhã, de novo, estava sozinha,
desta vez o sol já batia
tirava os trapos com que se protegia
daquele frio que só a rua lhe podia dar.
Assobiava, rosnava - falar, jamais - à gente que passava,
pedia qualquer coisa e ganhava um pouco mais,
corria pro mesmo viaduto,
sentava só, naquele canto escuro,
e torcia para que o dia, de novo, não tardasse a findar;
Todo dia pensava no quanto era sofrida,
no quanto o batente lhe doía
as pernas, as coxas, as costas, as mãos,
Mas chega de devaneio:
dessa vez, a noite era fria,
catava de novo os trapos, os panos, os papéis que nunca lia - não o sabia -,
deixava-os sobre a pele cansada
e voltava a se cansar.
Belo dia, acordou mais cansada que de hábito,
com vontade de falar, perturbar a ordem,
se fazer percebida - espernear;
Andou um pouco mais até a via expressa,
desviando da própria vida,
e, entorpecida, esquálida, histérica,
se jogou e se deixou - em paz - descansar.