Essa sucessão de ideias soltas
Essas frases de efeito vazias
Essa raiva de tudo que se move
Essa vontade de gritar, cuspir na cara,
Mandar pro inferno – e que nunca volte!
Esse grito guardado
[que vem à tona depois de cuspir no prato]
esse jeitinho pacato
que, lá no fundo, é histeria
tudo falso
tudo bem montado
tudo encenado
monitorado:
demagogia
Essa gente de bem,
Tão sensata e cheia de si,
Parece estar incomodada
Mas – mal sabe – é mobilizada
Sem que se dê conta do que está por trás
Mas insiste em estar aí
Na cara
Essa é a nossa mais nova energia
O que nos move, o que nos intriga
Espumante, babante,
Revolta seletiva e programada
Vazia em meias-palavras
E cheia de covardia
Singularizada:
O problema está numa cara
E uma tremenda gritaria
Esconde os reais motivos
No fim das contas, tudo decidido
Essa vontade de largar tudo,
Essa moral que serve de escudo
É, antes de mais nada,
Fruto de pequenos arroubos seletivos
Essa sucessão de revoltas
Esses projetos, essas ideias já mortas
Essa nuvem que paira à nossa volta
Tudo já esteve por aí
E voltou para nos lembrar
Que pobres de espírito somos
Nunca aprendemos,
Nunca cansamos
Essa é a mais pura demonstração de não afeto
De um desejo mórbido, passado, abjeto
Que, não fosse escuso, não surgiria
Travestido de vontade de guerra
E, mesmo assim, sendo chamado
Cidadania.