sexta-feira, 1 de abril de 2011

Diálogos I


- Tem uma velha discussão que adoras retomar:
qual a diferença entre arrogância e teor crítico
nesses tempos em que tudo se aceita,
que mediano é o melhor possível,
que não há - nem haveria - obra perfeita?

- Quando há algo a dizer, aí sim! - dizem uns senhores,
"é culpa de quem quer reclamar",
"Vai que o passar da juventude o mude", diz-se,
como se conformismo fosse igual a velhice,
como se fosse fácil, por si só, engolir tudo e (se?) calar;

- Muitas vezes pensei que deverias tombar,
dar de cara no chão, para se assumir falho como os outros,
pensei que tanta amargura fosse um dia destruir
esse jeito persistente, quase incapaz de se admitir
frágil, jovem, instável e - felizmente - errante.

- Pensa bem: se te digo, agora, cheio de certeza
que tenho consciência de meus erros, mas, do mesmo jeito,
não me faltam rancores, verdades na ponta da língua,
coragem - e não pessoalidades ou fraquezas!;
quem não o entende, a bem da verdade,
finge-se dono de si, mas não admite a própria precariedade,
mediocridade, falta de ego,
de autocrítica e respeito consigo mesmo!

- Ah, mas nunca foste destes,
talvez até para o mal, insististe em cobrar demais
de ti, dos outros: nesse tempo de tanta exigência
e, ao mesmo tempo, de tanta coisa errada, tanta decadência
quem sabe não estejas cansando a ti com tanto pessimismo?

- E quem disse que, um dia, me senti alheio a isto?
Aí está a diferença: não é não-sendo que nego tudo aquilo;
é, também, querendo - reclamando da roupa que visto,
das ideias que abraço, das raivas, dores e angústias que carrego,
que, aos poucos, te mostro o que me inquieta
tudo que me irrita, que me enfraquece;
é falando que me sinto digno de atenção,
é andando que me sinto na contramão,
é sendo ingênuo que vejo que, apesar dos pesares,
persisto.